2021
COLÓQUIO CENTENÁRIO ERNESTO DE SOUSA
2 JUNHO 2021 Auditório 3 Fundação Calouste Gulbenkian Comissão organizadora Ana Barata, FCG BAA Mariana Pinto dos Santos, Projecto PIM, IHA – NOVA FCSH Comissão científica (por ordem alfabética) Afonso Ramos, Instituto de História da Arte – NOVA FCSH Ana Barata, Biblioteca de Arte e Arquivos da Fundação Calouste Gulbenkian Isabel Alves, CEMES Mariana Pinto dos Santos, Projecto PIM, Instituto de História da Arte – NOVA FCSH Ricardo Nicolau, Museu de Serralves Rita Fabiana, Fundação Calouste Gulbenkian – Centro de Arte Moderna |
PROGRAMA DIA 2 JUNHO 2021
9.15h: Boas-vindas – Guilherme d'Oliveira Martins (FCG), Joana Cunha Leal (directora IHA), Isabel Alves
MESA 1 – 9.30-11h: Moderação de Afonso Ramos (IHA - NOVA FCSH)
Joana Duarte – Para que façamos cinema: Ernesto de Sousa e a cultura cinematográfica em Portugal
José Luís Mateo – Ernesto de Sousa no Estudio Quid, o Design Gráfico português em Vigo
Maria Manuela Restivo – As impurezas de Ernesto de Sousa e seus contributos para a historiografia artística portuguesa
MESA-REDONDA
Criação consciente de situações: testemunhos de trabalho sobre e com Ernesto de Sousa (parte 1)
11.15h-13h (esta sessão será em inglês sem tradução simultânea)
Pedro Barateiro, Salomé Lamas, Lilou Vidal, Pedro Proença, João Seguro, Vera Mantero. Moderação de Mariana Pinto dos Santos (Projecto PIM, IHA - NOVA FCSH)
13h-14.30h: almoço
MESA 2 – 14.30-16h: Moderação de Rita Fabiana (FCG-Centro de Arte Moderna)
Margarida Moura – A mail art de Ernesto de Sousa
Maura Grimaldi – Zonas de difusão: mixed-media e audio-visual enquanto imagens de borda
Ana Cancela – «Nós não estamos algures» de Ernesto de Sousa: um espaço laboratório de
criação e experimentação
MESA-REDONDA 2 16.15-17.45h
Criação consciente de situações: testemunhos de trabalho sobre e com Ernesto de Sousa (parte 2)
Paula Parente Pinto, Paulo Pires do Vale, Joana Ascensão, José Antonio Agúndez García, Miguel Wandschneider.
Moderação de Leonor Nazaré (FCG-Centro de Arte Moderna)
Entrada livre, sujeita aos lugares disponíveis de acordo com as recomendações da DGS.
18h e 20.30h: exibição de Luiz Vaz 73, de Ernesto de Sousa, no Grande Auditório da FCG
Espectáculo pago. Bilhetes disponíveis na bilheteira da FCG
BIOGRAFIAS
Joana Duarte
Mestre em História da Arte, Património e Cultura Visual (FLUP, 2018), com uma investigação dedicada às revistas de cinema portuguesas. Actualmente é doutoranda em Estudos do Património (FLUP) e em Territorio, Patrimonio y Cultura (Universidad de Lleida), encontrando-se a desenvolver uma tese sobre a cultura cinematográfica e as cinefilias em Portugal (anos de 1950 e 1960), financiada pela FCT.
José Luís Mateo Álvarez
Historiador da Arte, membro do Instituto de Estudos Vigueses (Vigo, Galicia)
Maria Manuela Restivo
É antropóloga. Estudou Antropologia na Universidade de Coimbra, Museologia na Universidade do Porto e actualmente frequenta o doutoramento em Estudos de Património - História da Arte na mesma universidade, com uma bolsa de estudos da FCT. Dedica-se sobretudo à investigação das artes populares e tradicionais e dos patrimónios vernaculares, que divulga através de textos, projectos e exposições. Criou o estúdio alhures e coordena o projecto Arte Popular de Ana a Zé (www.artepopularportuguesa).
Pedro Barateiro (Almada, 1979)
Vive e trabalha em Lisboa. Exposições individuais na Kunsthalle Lissabon, Kunsthalle Basel, Museu de Serralves. Participou na 29ª Bienal de São Paulo, 16th Sydney Biennale, 5th Berlin Biennale. As suas performances foram apresentadas no Teatro Nacional D. Maria II, Centre Pompidou, Théâtre de la Ville e Fondation Ricard em Paris. Editou com Ricardo Valentim o livro Activity, juntamente com Christopher Keller e publicado pela JRP|Ringier. É sócio fundador da AAVP - Associação de Artistas Visuais em Portugal, que opera no sentido de garantir apoio e representatividade desta classe artística em Portugal. Barateiro gere e faz programação no espaço Spirit Shop desde 2018.
Salomé Lamas (Lisboa, 1987)
Estudou cinema em Lisboa e Praga, artes visuais em Amesterdão e é estudante de Doutoramento em Arte Contemporânea no Colégio das Artes da Universidade de Coimbra. O seu trabalho tem sido mostrado em museus, galerias e festivais de cinema, entre os quais a Berlinale, o Museo Arte Reina Sofia, FIAC, o MNAC – Museu do Chiado, o DocLisboa, Cinema du Réel, Visions du Réel, o MoMA – Museum of Modern Art, o Museo Guggenheim de Bilbao, o Harvard Film Archive, o Arsenal Institut fur film und videokunst, a Culturgest, o CCB - Centro Cultural de Belém, Hong Kong FF, o Museu Serralves, a Tate Modern, o ICA London, a TBA 21 Foundation, o CAC Vilnius, o SESC São Paulo, o MAAT e La Biennale di Venezia Architettura. Foi bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian e de outras instituições estrangeiras, e tem desenvolvido colaborações com a Universidade Católica Portuguesa, com o Ismai - Instituto Universitário da Maia e com a Elias Querejeta Zine Eskola. Tem igualmente colaboração com a produtora «O Som e a Fúria» e é representada pela Kubikgallery. salomelamas.info
Lilou Vidal (1977)
É curadora independente e editora em Bruxelas e Turim. É fundadora e directora da organização sem fins lucrativos Bureau des Réalités. Foi recentemente nomeada para curadora da 22ª edição do Prémio Fondation Pernod Ricard (Paris, 2020-21) e da exposição monográfica do centenário de Ernesto de Sousa nas Galerias Municipais de Lisboa (2021). Organizou várias exposições monográficas e colectivas e trabalhou como curadora na Kunsthalle Wien. Editou vários livros e monografias, e trabalha regularmente com editoras e revistas tais como Sternberg Press, Paraguay Press, NERO, H ART. Ensina Actuality of the Arts na Escola Nacional de Artes Visuais de La Cambre (ENSAV), Bruxelas. É conferencista convidada em HISK, Ghent, membro do CNAP Committee, Paris e do IKT.
João Seguro (1979)
Vive e trabalha em Lisboa. É artista e professor. Tem mostrado o seu trabalho em exposições individuais e colectivas, nacionais e internacionais, estando representado em diversas colecções particulares. Lecciona desde 2006 cadeiras de Estética, Estudos de Arte, Teoria e Crítica da Imagem, Pintura e Instalação no Instituto Politécnico de Tomar e na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.
Vera Mantero (1966)
Bailarina e coreógrafa. Estudou dança clássica com Ana Mascolo e integrou o Ballet Gulbenkian entre 1984 e 1989. Tornou-se um dos nomes centrais da Nova Dança Portuguesa, tendo iniciado a sua carreira coreográfica em 1987 e mostrado o seu trabalho por toda a Europa, Argentina, Chile, Uruguai, Brasil, Canadá, Coreia do Sul, EUA e Singapura. Lecciona regularmente composição e improvisação, em Portugal e no estrangeiro. Criou o espectáculo As Práticas Propiciatórias dos Acontecimentos Futuros, a partir do trabalho de Ernesto de Sousa, com estreia em 2018, na Culturgest, no âmbito do Festival Alkantara.
Pedro Proença (1962)
É artista, escritor, músico, ilustrador, tipógrafo, etc. Expõe regularmente desde 1981. É um dos fundadores da Homeostética. Nos últimos anos tem-se multiplicado em dezenas de movimentos e centenas de artistas fictícios.
Margarida Moura (1997)
Concluiu a licenciatura em História da Arte pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa em 2019. Frequenta o Mestrado em História da Arte Contemporânea na mesma faculdade. Colaborou com o projecto PIM – Modernismos Ibéricos e o Imaginário Primitivista em 2018 como estagiária e em 2020 como bolseira de investigação.
Maura Grimaldi
Maura Grimaldi é artista e investigadora. Completou sua licenciatura e mestrado na Universidade de São Paulo (Brasil). Actualmente, está a desenvolver o seu projecto de doutoramento com financiamento da FCT em Ciências da Comunicação na FCSH - Universidade Nova de Lisboa, onde também é membro e co-fundadora do Observatório Estudos Visuais e Arqueologia dos Media do Instituto de Comunicação (ICNOVA).
Ana Cancela (Porto, 1973)
É licenciada e mestre em História da Arte – Faculdade de Letras da Universidade
do Porto. Concluiu na Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Porto, o grau de
Licenciatura em Piano. Dedica-se à investigação na área dos Estudos Transdisciplinares
História da Arte/História da Música e Práticas Artísticas Contemporâneas. É investigadora
integrada do CITCEM, sediado na FLUP. Actualmente é doutoranda em Estudos do Património
da FLUP com a investigação em curso: Artes Sonoras na Performance Art em Portugal:
sinergias, práSticas e arquivo (projecto financiado pela FCT).
Paula Parente Pinto (Porto, 1971)
Licenciada em Escultura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Divergiu o seu trabalho para a História da Arte depois de frequentar a Academia de Veneza. Concluiu o Mestrado em Cultura Urbana na Universidade Politécnica da Catalunha e o Doutoramento em Estudos Visuais e Culturais na Universidade de Rochester. Foi co-editora da Revista InSi(s)tu, investigadora e produtora no Museu de Arte Contemporânea de Serralves. É curadora e investigadora independente desde 2010.
Em 2014 editou o álbum fotográfico Ernesto de Sousa: O teu corpo é o meu corpo (1965‐1975. Fez a curadoria da exposição "Ernesto de Sousa: A mão direita não sabe o que a esquerda anda a fazer", integrada na XIX Bienal de Arte de Cerveira, que migraria com novos núcleos fotográficos para o Espaço Mira em 2019. A propósito da investigação realizada para essa exposição, convidou o Colectivo Arara a criar uma oficina gráfica e a coreógrafa Vera Mantero a criar o espectáculo As Práticas Propiciatórias dos Acontecimentos Futuros, estreado na Culturgest em 2018.
José Antonio Agúndez García (Cáceres, 1963)
Licenciado em História da Arte pela Universidade da Extremadura. Desde 1986 investiga os movimentos Happening e Fluxus. Foi Arquivista-Bibliotecário do Arquivo Happening Vostell. Colabora em diversas exposições de arte contemporânea de âmbito nacional e internacional. É comissário de exposições e autor de numerosos estudos em torno da figura e obra do artista Wolf Vostell: artigos, comunicações, conferências, etc. Desde 1994 ocupa o cargo de Director Gerente do Museo Vostell Malpartida (Espanha).
Miguel Wandschneider (Lisboa, 1969)
Curador e ensaísta, é licenciado em Sociologia no ISCTE, em Lisboa. Foi responsável pelo programa de exposições da Culturgest entre 2005-2017. Em 1998 foi curador, com Helena de Freitas, da exposição Ernesto de Sousa. Revolution My Body, na Fundação Calouste Gulbenkian.
Paulo Pires do Vale (Bragança, 1973)
É ensaísta, professor universitário e curador. Desde 2019, é o Comissário do Plano Nacional das Artes, estrutura de missão criada pelos Ministérios da Cultura e da Educação.
Joana Ascensão (Lisboa, 1974)
É programadora na Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema desde 2009, onde tem sido responsável pela concepção de ciclos temáticos e retrospectivas de autor como “Stan Brakhage: A Arte da Visão”, “O Cinema de Michael Snow”, “24 Imagens – Cinema e Fotografia”, entre outros. Estudou fotografia no Ar.Co e é licenciada e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa. Leccionou durante vários anos no Departamento de Fotografia da Universidade Lusófona. Realizou o filme Pintura Habitada (2006).
RESUMOS DAS COMUNICAÇÕES
Sessão 1
Para que façamos cinema: Ernesto de Sousa e a cultura cinematográfica em Portugal
Joana Isabel Duarte (CITCEM-FLUP; TRAMA-UdL)
Ernesto de Sousa surge, nos anos de 1950, como uma figura discreta mas fundamental na cultura cinematográfica portuguesa. A par da escrita sobre cinema em revistas como a Imagem (Lisboa, 1950-1961), o autor logrou realizar um filme – Dom Roberto (1962), nascido no seio do cineclubismo e da revista Imagem –– fora das esferas oficiais, através de uma Cooperativa de Espectadores. Institui, assim, um primeiro passo de mudança no cinema português. Não se ficando pelo referido contributo, reporta-se igualmente fundamental pensar em Ernesto de Sousa enquanto teórico da “cultura do cinema” e “pelo cinema”, ora se debruçando sobre temáticas de cariz mais prático (em livros como Argumento cinematográfico [1956] e A realização cinematográfica [1956]), ora aportando importantes reflexões sobre o cinema e sociedade, desde o fenómeno das estrelas, ao cinema educativo e cineclubismo (a obra O que é o cinema? [1960] é disso exemplificativa).
Este percurso é coincidente com a sua produção escrita para a revista Imagem. Nas páginas desta publicação, o contributo de Ernesto de Sousa ultrapassa o exercício de crítica a filmes, para entrar em reflexões profundas sobre a cultura e o cinema. Numa altura em que, fora das revistas especializadas, pouco se publica sobre cinema, as suas traduções e reflexões visaram, assim, preencher várias lacunas sentidas na cultura cinematográfica portuguesa.
Nesta apresentação pretende-se, através da análise de fontes periódicas e monográficas, demonstrar quais foram as suas preocupações, contributos e referências na maturação dessa cultura cinematográfica. Objetiva-se, igualmente, evidenciar de que forma o conhecimento cinematográfico é, para Ernesto de Sousa, essencial para que se faça cinema. A escrita sobre cinema parece ser, nesse sentido, um exercício preparatório para a realização fílmica. Ímpeto que parece não estar longe da máxima que Jean-Luc Godard fixaria por estes anos, segundo a qual écrire c’était déjà faire du cinéma.
Ernesto de Sousa no estudio quid, o design gráfico portugués en Vigo
José Luis Mateo Álvarez (Historiador da Arte, membro do Instituto de Estudos Vigueses. Vigo, Galicia)
O Estudio Quid foi un equipo de creativos gráficos, constituído en 1971 en Vigo (Galicia) e especializado na produción de deseño gráfico, deseño visual, deseño industrial e fotografía. A investigación en torno á imaxen e a súa comunicación materializá base na produción material realizada na Serigrafía Colorprint. Quid formaba parte dun proxecto ideado por Eduardo Calvet de Magalhães para crear o Consorcio Industrial do Miño S.A., resultado de agrupar un equipo de deseño, laboratorio e serigrafía no que colaboraban galegos e portugueses.
O doutor Calvet chegara a Vigo para traballar na empresa de Litografía de “La Artística” en 1969 e, pola súa banda, Ernesto de Sousa veu invitado polo Centro Portugués de Vigo que nese ano dirixía Calvet. No marco das xornadas Galaico-Portuguesas de Vigo impartiu a conferencia “Arte e anti-arte”, onde analizaba o percurso do cinema novo portugués e o comparaba co español e o brasileiro, ademais chamaba á participación activa do espectador na expresión artística. Aquel foi o primeiro contacto de Ernesto de Sousa con Vigo e continuaría o ano seguinte co proxecto do Estudio Quid que contaría coa presenza dun dos seus alumnos máis aventaxados no curso de Formación Artística que impartía na Sociedade Nacional de Belas Artes de Lisboa nos cursos de 1968 a 1970, Carlos Gentil-homem, e onde estaban outros alumnos que acudían a eses cursos, como Isabel Alves, Bicha Torres (María Manuel Torres) ou José Calvet.
No Estudio Quid produciuse gran parte do material do proxecto Almada, un nome de guerra. Carteis, diapositivas, fotografías e outros materiais gráficos para o filme baixo a dirección de Gentil-homem e tamén para os ciclos O Teu Corpo É o Meu Corpo ou Do Vazío á Pro-Vocaçao (1972).
As impurezas de Ernesto de Sousa e seus contributos para a historiografia artística portuguesa
Maria Manuela Restivo (Instituto de Sociologia da Universidade do Porto - ISUP)
Nesta apresentação procuramos defender as singularidades introduzidas por Ernesto de Sousa no campo da historiografia artística portuguesa. Através da utilização do conceito de impurezas – resgatando-se a conotação positiva do conceito, ou seja, a sua capacidade de desafiar a pureza das narrativas hegemónicas produzidas pela história da arte “convencional” - damos conta do que consideramos serem as três impurezas desenvolvidas por Ernesto de Sousa aquando do seu estudo sobre escultura portuguesa nas décadas de 1950 e 1960: uma conceção não teleológica do tempo histórico, a relação com a antropologia e a importância da expressão ingénua. Apesar da pouca reverberação que o seu trabalho teve no âmbito da historiografia da arte portuguesa, em parte devido ao facto de muitos dos textos que produziu nesta época terem ficado inéditos, é impreterível atentarmos à originalidade do seu pensamento neste campo.
Sessão 2
A Mail Art de Ernesto de Sousa
Margarida Fragueiro Cafede Moura (NOVA/FCSH)
A recusa da especialização, a eliminação das fronteiras entre artes e a aproximação entre arte e vida que levam Ernesto de Sousa a abraçar as experiências de arte conceptual em desenvolvimento nos anos sessenta levam-no a tomar contacto com o grupo Fluxus, um dos principais agentes na divulgação e consolidação do movimento de Mail Art e, de resto, uma grande influência no trabalho de Ernesto. Correspondendo a um excerto da pesquisa em desenvolvimento no contexto da dissertação de mestrado, esta comunicação propõe-se a apresentar a Mail Art de Ernesto de Sousa e o percurso que o levou a participar em várias destas redes, enviando e recebendo uma vasta quantidade de cartas, obras, livros de artista, publicações, convites para projetos ou eventos, entre outros, e nelas incluindo outros artistas portugueses cujo trabalho promovia. Propõe-se, assim, mapear os artistas e coletivos com quem estabeleceu contacto – destacando-se, por exemplo, a correspondência com artistas Fluxus como Ben Vautier, Joseph Beuys, Robert Filliou ou Wolf Vostell, e outros agentes profundamente ativos na Rede Internacional de Mail Art como Toni Ferro, Cavellini, Guy Bleus, Daniel Buren, Robin Crozier, Clemente Padin, Ryosuke Cohen, entre outros –, os trabalhos que enviou e os projetos internacionais em que participou, de modo a ilustrar o modo como estas ligações contribuem para as pesquisas e atividades de divulgação que Ernesto de Sousa desenvolve nos mesmos anos, em contexto nacional e internacional, acentuando a diluição em si dos papéis de artista, crítico e divulgador de arte, e permitindo compreender quais os princípios basilares da Mail Art que correspondem e dialogam com as ferramentas teóricas que Ernesto vinha desenvolvendo a partir dos seus estudos sobre arte popular portuguesa.
Os mixed-media produzidos por Ernesto de Sousa na década de 1970
Maura Castanheira Grimaldi (ICNOVA /NOVA/FCSH)
A vigente proposta destina-se a refletir sobre os chamados mixed-media produzidos por
Ernesto de Sousa na década de 1970. Tendo como objeto de estudo as obras Luiz Vaz 73, Nós Não Estamos Algures e Almada, Um Nome de Guerra, pretende-se abordar questões
relacionadas à crítica e história da arte e arqueologia dos media para interpretar esses projetos como “imagens de borda” (BOULOUCH, 2009). Esse termo baseia-se no conceito “image lisière” proposto pela historiadora da fotografia e Prof. na Univ. De Rennes II, Nathalie Boulouch, para referir-se às práticas com a técnica do diaporama na história da arte contemporânea. Dessa forma, pretende-se discutir como as reflexões e experimentações com os mixed-media de Sousa contribuem para e problematizam sobre a história da fotografia projetada durante o século XX, também nomeados como slide-shows e/ou audiovisuais.
Pretende-se, a fim de aprofundar a análise, evocar o caráter híbrido dessa linguagem e artistas com produções análogas em períodos próximos, como é o caso dos trabalhos em mixed-media do artista, curador, pesquisador e jornalista brasileiro Frederico Morais. Entre as obras de Morais destacam-se O Pão e o Sangue de Cada Um (1970), dedicado ao artista Arthur Barrio, e Cantares (1971), “uma combinação admirável de música e imagem” (SCHENBERG, 1973), além de outros audiovisuais da série A Nova Crítica (1970) pertencentes à coleção do Museu de Arte da Pampulha em Belo Horizonte, Brasil. Através de uma análise comparada pretende-se abordar trabalhos que foram produzidos em anos próximos, mas em contextos geográficos e políticos bastante distintos. Serão também abordadas as produções textuais que ambos autores fizeram sobre esse media, a considerar os escritos de Sousa em Luiz Vaz 73 – estrutura visual e Almada, Um Nome de Guerra e as ponderações de Morais em Cinema e Audio-Visual (1973).
Nós não estamos algures de Ernesto de Sousa: um espaço laboratório de criação e experimentação
Ana Teresa Cancela Pires (CITCEM - Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura Espaço Memória - FLUP Faculdade de Letras da Universidade do Porto)
Esta comunicação tem o objectivo de evocar Ernesto de Sousa, enquanto operador estético, através da análise do mixed-media de sua autoria «Nós não estamos algures». Diluindo fronteiras entre performance, teatro, artes plásticas, música e cinema, salienta-se que esta obra não só inaugura a exploração mixed-media transdisciplinar no contexto da arte contemporânea portuguesa, como representa o início da parceria Ernesto de Sousa e Jorge Peixinho que se prolongaria pela década de 1970 dando origem à realização de mais duas obras fundamentais: Almada, Um Nome de Guerra (1969 – 1972) e Luiz Vaz 73 (1975).
Assim, no contexto da evolução de obras mixed-media em Portugal, Nós nãos estamos algures, assume especial relevância, pelo seu pioneirismo que se traduziu na conjugação de elementos performativos, plásticos, musicais, cinematográficos e cenográficos que partiram da exploração de poemas de Almada Negreiros, Mário Cesariny, Herberto Helder, Luiza Neto Jorge. Conforme sublinhou Ernesto de Sousa, tratou-se de um exercício de comunicação poética que questionou a produção teatral contemporânea, assumindo-se como um espaço laboratório de criação e experimentação.
Assim, nesta comunicação pretende-se elaborar uma reflexão analítica da obra, de modo a entender Ernesto de Sousa como uma figura pioneira no contexto artístico contemporâneo português, ao inaugurar uma redefinição do objecto artístico assente na exploração transdisciplinar de múltiplas linguagens e suportes artísticos. Por outro lado, tendo em conta a efemeridade da obra e a sua natureza híbrida, esta constitui uma fonte inesgotável de reflexão conceptual. Os problemas que coloca prendem-se não só com a interligação disciplinar, como também com as questões de registo e recuperação da memória. Neste sentido será apresentada a metodologia empregue na sinalização e análise da documentação (fontes primárias) existente da obra, através da identificação de linhas conceptuais que se relacionam principalmente com as noções de intenção autoral e autenticidade.
9.15h: Boas-vindas – Guilherme d'Oliveira Martins (FCG), Joana Cunha Leal (directora IHA), Isabel Alves
MESA 1 – 9.30-11h: Moderação de Afonso Ramos (IHA - NOVA FCSH)
Joana Duarte – Para que façamos cinema: Ernesto de Sousa e a cultura cinematográfica em Portugal
José Luís Mateo – Ernesto de Sousa no Estudio Quid, o Design Gráfico português em Vigo
Maria Manuela Restivo – As impurezas de Ernesto de Sousa e seus contributos para a historiografia artística portuguesa
MESA-REDONDA
Criação consciente de situações: testemunhos de trabalho sobre e com Ernesto de Sousa (parte 1)
11.15h-13h (esta sessão será em inglês sem tradução simultânea)
Pedro Barateiro, Salomé Lamas, Lilou Vidal, Pedro Proença, João Seguro, Vera Mantero. Moderação de Mariana Pinto dos Santos (Projecto PIM, IHA - NOVA FCSH)
13h-14.30h: almoço
MESA 2 – 14.30-16h: Moderação de Rita Fabiana (FCG-Centro de Arte Moderna)
Margarida Moura – A mail art de Ernesto de Sousa
Maura Grimaldi – Zonas de difusão: mixed-media e audio-visual enquanto imagens de borda
Ana Cancela – «Nós não estamos algures» de Ernesto de Sousa: um espaço laboratório de
criação e experimentação
MESA-REDONDA 2 16.15-17.45h
Criação consciente de situações: testemunhos de trabalho sobre e com Ernesto de Sousa (parte 2)
Paula Parente Pinto, Paulo Pires do Vale, Joana Ascensão, José Antonio Agúndez García, Miguel Wandschneider.
Moderação de Leonor Nazaré (FCG-Centro de Arte Moderna)
Entrada livre, sujeita aos lugares disponíveis de acordo com as recomendações da DGS.
18h e 20.30h: exibição de Luiz Vaz 73, de Ernesto de Sousa, no Grande Auditório da FCG
Espectáculo pago. Bilhetes disponíveis na bilheteira da FCG
BIOGRAFIAS
Joana Duarte
Mestre em História da Arte, Património e Cultura Visual (FLUP, 2018), com uma investigação dedicada às revistas de cinema portuguesas. Actualmente é doutoranda em Estudos do Património (FLUP) e em Territorio, Patrimonio y Cultura (Universidad de Lleida), encontrando-se a desenvolver uma tese sobre a cultura cinematográfica e as cinefilias em Portugal (anos de 1950 e 1960), financiada pela FCT.
José Luís Mateo Álvarez
Historiador da Arte, membro do Instituto de Estudos Vigueses (Vigo, Galicia)
Maria Manuela Restivo
É antropóloga. Estudou Antropologia na Universidade de Coimbra, Museologia na Universidade do Porto e actualmente frequenta o doutoramento em Estudos de Património - História da Arte na mesma universidade, com uma bolsa de estudos da FCT. Dedica-se sobretudo à investigação das artes populares e tradicionais e dos patrimónios vernaculares, que divulga através de textos, projectos e exposições. Criou o estúdio alhures e coordena o projecto Arte Popular de Ana a Zé (www.artepopularportuguesa).
Pedro Barateiro (Almada, 1979)
Vive e trabalha em Lisboa. Exposições individuais na Kunsthalle Lissabon, Kunsthalle Basel, Museu de Serralves. Participou na 29ª Bienal de São Paulo, 16th Sydney Biennale, 5th Berlin Biennale. As suas performances foram apresentadas no Teatro Nacional D. Maria II, Centre Pompidou, Théâtre de la Ville e Fondation Ricard em Paris. Editou com Ricardo Valentim o livro Activity, juntamente com Christopher Keller e publicado pela JRP|Ringier. É sócio fundador da AAVP - Associação de Artistas Visuais em Portugal, que opera no sentido de garantir apoio e representatividade desta classe artística em Portugal. Barateiro gere e faz programação no espaço Spirit Shop desde 2018.
Salomé Lamas (Lisboa, 1987)
Estudou cinema em Lisboa e Praga, artes visuais em Amesterdão e é estudante de Doutoramento em Arte Contemporânea no Colégio das Artes da Universidade de Coimbra. O seu trabalho tem sido mostrado em museus, galerias e festivais de cinema, entre os quais a Berlinale, o Museo Arte Reina Sofia, FIAC, o MNAC – Museu do Chiado, o DocLisboa, Cinema du Réel, Visions du Réel, o MoMA – Museum of Modern Art, o Museo Guggenheim de Bilbao, o Harvard Film Archive, o Arsenal Institut fur film und videokunst, a Culturgest, o CCB - Centro Cultural de Belém, Hong Kong FF, o Museu Serralves, a Tate Modern, o ICA London, a TBA 21 Foundation, o CAC Vilnius, o SESC São Paulo, o MAAT e La Biennale di Venezia Architettura. Foi bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian e de outras instituições estrangeiras, e tem desenvolvido colaborações com a Universidade Católica Portuguesa, com o Ismai - Instituto Universitário da Maia e com a Elias Querejeta Zine Eskola. Tem igualmente colaboração com a produtora «O Som e a Fúria» e é representada pela Kubikgallery. salomelamas.info
Lilou Vidal (1977)
É curadora independente e editora em Bruxelas e Turim. É fundadora e directora da organização sem fins lucrativos Bureau des Réalités. Foi recentemente nomeada para curadora da 22ª edição do Prémio Fondation Pernod Ricard (Paris, 2020-21) e da exposição monográfica do centenário de Ernesto de Sousa nas Galerias Municipais de Lisboa (2021). Organizou várias exposições monográficas e colectivas e trabalhou como curadora na Kunsthalle Wien. Editou vários livros e monografias, e trabalha regularmente com editoras e revistas tais como Sternberg Press, Paraguay Press, NERO, H ART. Ensina Actuality of the Arts na Escola Nacional de Artes Visuais de La Cambre (ENSAV), Bruxelas. É conferencista convidada em HISK, Ghent, membro do CNAP Committee, Paris e do IKT.
João Seguro (1979)
Vive e trabalha em Lisboa. É artista e professor. Tem mostrado o seu trabalho em exposições individuais e colectivas, nacionais e internacionais, estando representado em diversas colecções particulares. Lecciona desde 2006 cadeiras de Estética, Estudos de Arte, Teoria e Crítica da Imagem, Pintura e Instalação no Instituto Politécnico de Tomar e na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.
Vera Mantero (1966)
Bailarina e coreógrafa. Estudou dança clássica com Ana Mascolo e integrou o Ballet Gulbenkian entre 1984 e 1989. Tornou-se um dos nomes centrais da Nova Dança Portuguesa, tendo iniciado a sua carreira coreográfica em 1987 e mostrado o seu trabalho por toda a Europa, Argentina, Chile, Uruguai, Brasil, Canadá, Coreia do Sul, EUA e Singapura. Lecciona regularmente composição e improvisação, em Portugal e no estrangeiro. Criou o espectáculo As Práticas Propiciatórias dos Acontecimentos Futuros, a partir do trabalho de Ernesto de Sousa, com estreia em 2018, na Culturgest, no âmbito do Festival Alkantara.
Pedro Proença (1962)
É artista, escritor, músico, ilustrador, tipógrafo, etc. Expõe regularmente desde 1981. É um dos fundadores da Homeostética. Nos últimos anos tem-se multiplicado em dezenas de movimentos e centenas de artistas fictícios.
Margarida Moura (1997)
Concluiu a licenciatura em História da Arte pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa em 2019. Frequenta o Mestrado em História da Arte Contemporânea na mesma faculdade. Colaborou com o projecto PIM – Modernismos Ibéricos e o Imaginário Primitivista em 2018 como estagiária e em 2020 como bolseira de investigação.
Maura Grimaldi
Maura Grimaldi é artista e investigadora. Completou sua licenciatura e mestrado na Universidade de São Paulo (Brasil). Actualmente, está a desenvolver o seu projecto de doutoramento com financiamento da FCT em Ciências da Comunicação na FCSH - Universidade Nova de Lisboa, onde também é membro e co-fundadora do Observatório Estudos Visuais e Arqueologia dos Media do Instituto de Comunicação (ICNOVA).
Ana Cancela (Porto, 1973)
É licenciada e mestre em História da Arte – Faculdade de Letras da Universidade
do Porto. Concluiu na Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Porto, o grau de
Licenciatura em Piano. Dedica-se à investigação na área dos Estudos Transdisciplinares
História da Arte/História da Música e Práticas Artísticas Contemporâneas. É investigadora
integrada do CITCEM, sediado na FLUP. Actualmente é doutoranda em Estudos do Património
da FLUP com a investigação em curso: Artes Sonoras na Performance Art em Portugal:
sinergias, práSticas e arquivo (projecto financiado pela FCT).
Paula Parente Pinto (Porto, 1971)
Licenciada em Escultura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Divergiu o seu trabalho para a História da Arte depois de frequentar a Academia de Veneza. Concluiu o Mestrado em Cultura Urbana na Universidade Politécnica da Catalunha e o Doutoramento em Estudos Visuais e Culturais na Universidade de Rochester. Foi co-editora da Revista InSi(s)tu, investigadora e produtora no Museu de Arte Contemporânea de Serralves. É curadora e investigadora independente desde 2010.
Em 2014 editou o álbum fotográfico Ernesto de Sousa: O teu corpo é o meu corpo (1965‐1975. Fez a curadoria da exposição "Ernesto de Sousa: A mão direita não sabe o que a esquerda anda a fazer", integrada na XIX Bienal de Arte de Cerveira, que migraria com novos núcleos fotográficos para o Espaço Mira em 2019. A propósito da investigação realizada para essa exposição, convidou o Colectivo Arara a criar uma oficina gráfica e a coreógrafa Vera Mantero a criar o espectáculo As Práticas Propiciatórias dos Acontecimentos Futuros, estreado na Culturgest em 2018.
José Antonio Agúndez García (Cáceres, 1963)
Licenciado em História da Arte pela Universidade da Extremadura. Desde 1986 investiga os movimentos Happening e Fluxus. Foi Arquivista-Bibliotecário do Arquivo Happening Vostell. Colabora em diversas exposições de arte contemporânea de âmbito nacional e internacional. É comissário de exposições e autor de numerosos estudos em torno da figura e obra do artista Wolf Vostell: artigos, comunicações, conferências, etc. Desde 1994 ocupa o cargo de Director Gerente do Museo Vostell Malpartida (Espanha).
Miguel Wandschneider (Lisboa, 1969)
Curador e ensaísta, é licenciado em Sociologia no ISCTE, em Lisboa. Foi responsável pelo programa de exposições da Culturgest entre 2005-2017. Em 1998 foi curador, com Helena de Freitas, da exposição Ernesto de Sousa. Revolution My Body, na Fundação Calouste Gulbenkian.
Paulo Pires do Vale (Bragança, 1973)
É ensaísta, professor universitário e curador. Desde 2019, é o Comissário do Plano Nacional das Artes, estrutura de missão criada pelos Ministérios da Cultura e da Educação.
Joana Ascensão (Lisboa, 1974)
É programadora na Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema desde 2009, onde tem sido responsável pela concepção de ciclos temáticos e retrospectivas de autor como “Stan Brakhage: A Arte da Visão”, “O Cinema de Michael Snow”, “24 Imagens – Cinema e Fotografia”, entre outros. Estudou fotografia no Ar.Co e é licenciada e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa. Leccionou durante vários anos no Departamento de Fotografia da Universidade Lusófona. Realizou o filme Pintura Habitada (2006).
RESUMOS DAS COMUNICAÇÕES
Sessão 1
Para que façamos cinema: Ernesto de Sousa e a cultura cinematográfica em Portugal
Joana Isabel Duarte (CITCEM-FLUP; TRAMA-UdL)
Ernesto de Sousa surge, nos anos de 1950, como uma figura discreta mas fundamental na cultura cinematográfica portuguesa. A par da escrita sobre cinema em revistas como a Imagem (Lisboa, 1950-1961), o autor logrou realizar um filme – Dom Roberto (1962), nascido no seio do cineclubismo e da revista Imagem –– fora das esferas oficiais, através de uma Cooperativa de Espectadores. Institui, assim, um primeiro passo de mudança no cinema português. Não se ficando pelo referido contributo, reporta-se igualmente fundamental pensar em Ernesto de Sousa enquanto teórico da “cultura do cinema” e “pelo cinema”, ora se debruçando sobre temáticas de cariz mais prático (em livros como Argumento cinematográfico [1956] e A realização cinematográfica [1956]), ora aportando importantes reflexões sobre o cinema e sociedade, desde o fenómeno das estrelas, ao cinema educativo e cineclubismo (a obra O que é o cinema? [1960] é disso exemplificativa).
Este percurso é coincidente com a sua produção escrita para a revista Imagem. Nas páginas desta publicação, o contributo de Ernesto de Sousa ultrapassa o exercício de crítica a filmes, para entrar em reflexões profundas sobre a cultura e o cinema. Numa altura em que, fora das revistas especializadas, pouco se publica sobre cinema, as suas traduções e reflexões visaram, assim, preencher várias lacunas sentidas na cultura cinematográfica portuguesa.
Nesta apresentação pretende-se, através da análise de fontes periódicas e monográficas, demonstrar quais foram as suas preocupações, contributos e referências na maturação dessa cultura cinematográfica. Objetiva-se, igualmente, evidenciar de que forma o conhecimento cinematográfico é, para Ernesto de Sousa, essencial para que se faça cinema. A escrita sobre cinema parece ser, nesse sentido, um exercício preparatório para a realização fílmica. Ímpeto que parece não estar longe da máxima que Jean-Luc Godard fixaria por estes anos, segundo a qual écrire c’était déjà faire du cinéma.
Ernesto de Sousa no estudio quid, o design gráfico portugués en Vigo
José Luis Mateo Álvarez (Historiador da Arte, membro do Instituto de Estudos Vigueses. Vigo, Galicia)
O Estudio Quid foi un equipo de creativos gráficos, constituído en 1971 en Vigo (Galicia) e especializado na produción de deseño gráfico, deseño visual, deseño industrial e fotografía. A investigación en torno á imaxen e a súa comunicación materializá base na produción material realizada na Serigrafía Colorprint. Quid formaba parte dun proxecto ideado por Eduardo Calvet de Magalhães para crear o Consorcio Industrial do Miño S.A., resultado de agrupar un equipo de deseño, laboratorio e serigrafía no que colaboraban galegos e portugueses.
O doutor Calvet chegara a Vigo para traballar na empresa de Litografía de “La Artística” en 1969 e, pola súa banda, Ernesto de Sousa veu invitado polo Centro Portugués de Vigo que nese ano dirixía Calvet. No marco das xornadas Galaico-Portuguesas de Vigo impartiu a conferencia “Arte e anti-arte”, onde analizaba o percurso do cinema novo portugués e o comparaba co español e o brasileiro, ademais chamaba á participación activa do espectador na expresión artística. Aquel foi o primeiro contacto de Ernesto de Sousa con Vigo e continuaría o ano seguinte co proxecto do Estudio Quid que contaría coa presenza dun dos seus alumnos máis aventaxados no curso de Formación Artística que impartía na Sociedade Nacional de Belas Artes de Lisboa nos cursos de 1968 a 1970, Carlos Gentil-homem, e onde estaban outros alumnos que acudían a eses cursos, como Isabel Alves, Bicha Torres (María Manuel Torres) ou José Calvet.
No Estudio Quid produciuse gran parte do material do proxecto Almada, un nome de guerra. Carteis, diapositivas, fotografías e outros materiais gráficos para o filme baixo a dirección de Gentil-homem e tamén para os ciclos O Teu Corpo É o Meu Corpo ou Do Vazío á Pro-Vocaçao (1972).
As impurezas de Ernesto de Sousa e seus contributos para a historiografia artística portuguesa
Maria Manuela Restivo (Instituto de Sociologia da Universidade do Porto - ISUP)
Nesta apresentação procuramos defender as singularidades introduzidas por Ernesto de Sousa no campo da historiografia artística portuguesa. Através da utilização do conceito de impurezas – resgatando-se a conotação positiva do conceito, ou seja, a sua capacidade de desafiar a pureza das narrativas hegemónicas produzidas pela história da arte “convencional” - damos conta do que consideramos serem as três impurezas desenvolvidas por Ernesto de Sousa aquando do seu estudo sobre escultura portuguesa nas décadas de 1950 e 1960: uma conceção não teleológica do tempo histórico, a relação com a antropologia e a importância da expressão ingénua. Apesar da pouca reverberação que o seu trabalho teve no âmbito da historiografia da arte portuguesa, em parte devido ao facto de muitos dos textos que produziu nesta época terem ficado inéditos, é impreterível atentarmos à originalidade do seu pensamento neste campo.
Sessão 2
A Mail Art de Ernesto de Sousa
Margarida Fragueiro Cafede Moura (NOVA/FCSH)
A recusa da especialização, a eliminação das fronteiras entre artes e a aproximação entre arte e vida que levam Ernesto de Sousa a abraçar as experiências de arte conceptual em desenvolvimento nos anos sessenta levam-no a tomar contacto com o grupo Fluxus, um dos principais agentes na divulgação e consolidação do movimento de Mail Art e, de resto, uma grande influência no trabalho de Ernesto. Correspondendo a um excerto da pesquisa em desenvolvimento no contexto da dissertação de mestrado, esta comunicação propõe-se a apresentar a Mail Art de Ernesto de Sousa e o percurso que o levou a participar em várias destas redes, enviando e recebendo uma vasta quantidade de cartas, obras, livros de artista, publicações, convites para projetos ou eventos, entre outros, e nelas incluindo outros artistas portugueses cujo trabalho promovia. Propõe-se, assim, mapear os artistas e coletivos com quem estabeleceu contacto – destacando-se, por exemplo, a correspondência com artistas Fluxus como Ben Vautier, Joseph Beuys, Robert Filliou ou Wolf Vostell, e outros agentes profundamente ativos na Rede Internacional de Mail Art como Toni Ferro, Cavellini, Guy Bleus, Daniel Buren, Robin Crozier, Clemente Padin, Ryosuke Cohen, entre outros –, os trabalhos que enviou e os projetos internacionais em que participou, de modo a ilustrar o modo como estas ligações contribuem para as pesquisas e atividades de divulgação que Ernesto de Sousa desenvolve nos mesmos anos, em contexto nacional e internacional, acentuando a diluição em si dos papéis de artista, crítico e divulgador de arte, e permitindo compreender quais os princípios basilares da Mail Art que correspondem e dialogam com as ferramentas teóricas que Ernesto vinha desenvolvendo a partir dos seus estudos sobre arte popular portuguesa.
Os mixed-media produzidos por Ernesto de Sousa na década de 1970
Maura Castanheira Grimaldi (ICNOVA /NOVA/FCSH)
A vigente proposta destina-se a refletir sobre os chamados mixed-media produzidos por
Ernesto de Sousa na década de 1970. Tendo como objeto de estudo as obras Luiz Vaz 73, Nós Não Estamos Algures e Almada, Um Nome de Guerra, pretende-se abordar questões
relacionadas à crítica e história da arte e arqueologia dos media para interpretar esses projetos como “imagens de borda” (BOULOUCH, 2009). Esse termo baseia-se no conceito “image lisière” proposto pela historiadora da fotografia e Prof. na Univ. De Rennes II, Nathalie Boulouch, para referir-se às práticas com a técnica do diaporama na história da arte contemporânea. Dessa forma, pretende-se discutir como as reflexões e experimentações com os mixed-media de Sousa contribuem para e problematizam sobre a história da fotografia projetada durante o século XX, também nomeados como slide-shows e/ou audiovisuais.
Pretende-se, a fim de aprofundar a análise, evocar o caráter híbrido dessa linguagem e artistas com produções análogas em períodos próximos, como é o caso dos trabalhos em mixed-media do artista, curador, pesquisador e jornalista brasileiro Frederico Morais. Entre as obras de Morais destacam-se O Pão e o Sangue de Cada Um (1970), dedicado ao artista Arthur Barrio, e Cantares (1971), “uma combinação admirável de música e imagem” (SCHENBERG, 1973), além de outros audiovisuais da série A Nova Crítica (1970) pertencentes à coleção do Museu de Arte da Pampulha em Belo Horizonte, Brasil. Através de uma análise comparada pretende-se abordar trabalhos que foram produzidos em anos próximos, mas em contextos geográficos e políticos bastante distintos. Serão também abordadas as produções textuais que ambos autores fizeram sobre esse media, a considerar os escritos de Sousa em Luiz Vaz 73 – estrutura visual e Almada, Um Nome de Guerra e as ponderações de Morais em Cinema e Audio-Visual (1973).
Nós não estamos algures de Ernesto de Sousa: um espaço laboratório de criação e experimentação
Ana Teresa Cancela Pires (CITCEM - Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura Espaço Memória - FLUP Faculdade de Letras da Universidade do Porto)
Esta comunicação tem o objectivo de evocar Ernesto de Sousa, enquanto operador estético, através da análise do mixed-media de sua autoria «Nós não estamos algures». Diluindo fronteiras entre performance, teatro, artes plásticas, música e cinema, salienta-se que esta obra não só inaugura a exploração mixed-media transdisciplinar no contexto da arte contemporânea portuguesa, como representa o início da parceria Ernesto de Sousa e Jorge Peixinho que se prolongaria pela década de 1970 dando origem à realização de mais duas obras fundamentais: Almada, Um Nome de Guerra (1969 – 1972) e Luiz Vaz 73 (1975).
Assim, no contexto da evolução de obras mixed-media em Portugal, Nós nãos estamos algures, assume especial relevância, pelo seu pioneirismo que se traduziu na conjugação de elementos performativos, plásticos, musicais, cinematográficos e cenográficos que partiram da exploração de poemas de Almada Negreiros, Mário Cesariny, Herberto Helder, Luiza Neto Jorge. Conforme sublinhou Ernesto de Sousa, tratou-se de um exercício de comunicação poética que questionou a produção teatral contemporânea, assumindo-se como um espaço laboratório de criação e experimentação.
Assim, nesta comunicação pretende-se elaborar uma reflexão analítica da obra, de modo a entender Ernesto de Sousa como uma figura pioneira no contexto artístico contemporâneo português, ao inaugurar uma redefinição do objecto artístico assente na exploração transdisciplinar de múltiplas linguagens e suportes artísticos. Por outro lado, tendo em conta a efemeridade da obra e a sua natureza híbrida, esta constitui uma fonte inesgotável de reflexão conceptual. Os problemas que coloca prendem-se não só com a interligação disciplinar, como também com as questões de registo e recuperação da memória. Neste sentido será apresentada a metodologia empregue na sinalização e análise da documentação (fontes primárias) existente da obra, através da identificação de linhas conceptuais que se relacionam principalmente com as noções de intenção autoral e autenticidade.
2019
Art in the Periphery International Conference (hommage to Foteini Vlachou) - Lisbon, NOVA FCSH, March 14-16, 2019. Organizing Committee: Joana Cunha Leal and Mariana Pinto dos Santos
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